quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Levanta-se no ar o cheiro de grama cortada, e aquele frescor matinal comum às varandas de casas humildes, umedecidas pelo orvalho, as plantas do canteiro sorriem para o sol nascente. na escada de ladrilhos quebrados, tão antiga quanto os ancestrais, espano a terra para sentar-me e ouço o som dos pássaros despertando. sem paixões, a tranquilidade de nada querer do futuro nem indagar do passado. contemplo de olhos fechados sentindo o toque da manhã na minha nuca, apoiando a minha cabeça e me acalentando recém-acordado na continuação de um sonho. no céu duas parcas nuvens enfeitam a imensidão azul como um broche, ao horizonte impoem-se as corcundas dos morros, pontilhadas de detalhes para os pintores; com cercas, casebres, estradas poeirentas rangendo carros de boi, levando sementes, colheitas, esperanças quem sabe.

Meu amor me beija a testa, me chama para ir deitar, senta-se ao meu lado inocentemente como se não notasse sua própria beleza, eu a abraço. esqueço as certezas, as derrotas, esqueço o mundo, apenas sorrio.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

R356

Doeu-me, mas caiu a ficha, eu era um número; senhor R356, e isso era tudo o que importava. A culpa desta crise de identidade era a máquina de senhas da fila do banco, a partir daquele momento eu não tinha nome nem passado, eu era a pura abstração do vago termo “cliente”. Às vezes fantasio sobre a origem destas máquinas; um belo dia teóricos burocratas se reúnem para mais uma decisão maligna: “precisamos reduzir as pessoas a termos mais eficientes”, diz um, “que tal se as transformarmos em números?” responde o outro, e a platéia aplaude.

O cúmulo da indignidade, um número!

Um sino toca, o senhor P107 é chamado ao guichê. Maldita preferência para aposentados. O número está no R320, contando com uma estimativa de um aposentado para cada dez senhas, tenho cerca de 38 pessoas, digo, senhas à minha frente. Melhor é não tentar estimar a demora, se você estimar duas horas, demorarão quatro; o problema é a incerteza de quantas senhas especiais, senhas de aposentados e desistências você pode contar à sua frente, talvez as variáveis mais inconstantes do universo.

Bons tempos eram os tempos da fila. As pessoas sabiam exatamente quantos estavam à sua frente, qual era o ritmo da fila etc. e todos tinham que ficar de pé, não esta frescura sedentária de cadeirinhas azuis. Não! As pessoas tinham mais vigor e saúde antigamente. E quem era bom como ninguém para uma fila eram os soviéticos, esses chegaram a fazer filas gloriosas! Filas para mantimentos que davam a volta no quarteirão sob o frio inverno de Moscou. Por isso são um povo forte os russos, diferentemente desses obesos sedentários capitalistas e suas cadeirinhas azuis.

Mais uma vez o sino, e outra, e outra. Do meu lado o infeliz senhos R371 a quase trinta números da sua vez. Meus pêsames amigo, tempos desumanos esses. Na minha mão o papelzinho amarelo impresso a lazer, não ousei coloca-lo no bolso, afinal, essa senha era eu, tudo o que eu representava para o sistema, desumanamente concebido em série e fadado a acabar na lixeirinha do guichê. Uma morena se levanta na minha frente, simplesmente linda, um corpo escultural e uma expressão de “não me toque”. Me apaixono à primeira vista. Chega no caixa, entrega a senha, e tira da bolsa um enorme maço de contas a serem pagas; desiludindo naquele instante todo o meu amor. Por que tantas contas de uma vez só mulher?! Só para atrasar os outros! Ocupar por meia-hora um dos poucos guichês que tem?! Por que tanto cinismo com os sentimentos dos outros?!?!

Ufa; Desculpem-me... A frieza da espera está acabando comigo.

O tempo passa e finalmente minha vez parece próxima, três desistentes fazem o número da tela pular milagrosamente para o R353. pode ir meu caro senhor aposentado! Agora nada prolongará a minha espera. Sinto a alma leve quando a tela sinaliza R354 e depois R355, venci o sistema, provei minha paciência, sou um Buda, alcancei a iluminação atravez da espera, são pequenas coisas meu caro amigo R371, sua vez também chegará.

-Boa tarde.

-Boa tarde, Poderia descontar este cheque para mim?

-Claro, Por favor seu RG.

Agora já me dava o luxo de pensar o que fazer depois de sair do banco. Aproveitar um pouco do dinheiro para almoçar, fazer aquele pagamento atrasado. Sem um tostão no bolso fui salvo por este cheque, já podia relaxar, o dia estava lindo lá fora, logo chegaria o final de semana...

-Não tem fundos.

-Me desculpe, como?

-O cheque não tem fundos senhor.

Indignado, faminto, cansado... Fui embora.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sei que a vida moderna não deixa tempo para a leitura de bons livros. Assim, envio-lhes o "resumo de clássicos da literatura" que muito ajudarão a engrandecê-los culturalmente.

1) Leon Tolstoi: Guerra e Paz. Paris, Ed. Chartreuse. 1.200 páginas.
Resumo:
Um rapaz não quer ir à guerra por estar apaixonado e por isso Napoleão invade Moscou. A mocinha casa-se com outro.
Fim.

2) Marcel Proust: À La recherche du temps perdu. (Em Busca do Tempo Perdido). Paris, Gallimard. 1922. 1600 páginas.
Resumo:
Um rapaz asmático sofre de insônia porque a mãe não lhe dá um beijinho de boa-noite. No dia seguinte (pág. 486, vol. I), come um bolo e escreve um livro. Nessa noite (pág. 1.344, vol. VI) tem um ataque de asma porque a namorada (ou namorado?) se recusa a dar-lhe uns beijinhos. Tudo termina num baile (vol. VII) onde estão todos muito velhinhos ? e pronto.
Fim.

3) Luís de Camões: Os Lusíadas. Editora Lusitania.
Resumo:
Um poeta com insônia decide encher o saco do rei e contar-lhe uma história de marinheiros que, depois de alguns problemas (logo resolvidos por uma deusa super-gente-fina), ganham a maior boa vida numa ilha cheia de mulheres gostosas.
Fim.

4) Gustave Flaubert: Madame Bovary. 778 páginas.
Resumo:
Uma dona-de-casa mete o chifre no marido e transa com o padeiro, o leiteiro, o carteiro, o homem do boteco, o dono da mercearia e um vizinho cheio da grana. Depois entra em depressão, envenena-se e morre.
Fim.

5) William Shakespeare: Romeo and Juliet. Londres, Oxford
Resumo:
Dois adolescentes doidinhos se apaixonam, mas as famílias proíbem o namoro, as duas turmas saem na porrada, uma briga danada, muita gente se machuca. Então, um padre tem uma idéia idiota e os dois morrem depois de beber veneno, pensando que era sonífero.
Fim

6) William Shakespeare: Hamlet. Londres, Oxford Press.
Resumo:
Um príncipe com insônia passeia pelas muralhas do castelo, quando o fantasma do pai lhe diz que foi morto pelo tio que dorme com a mãe, cujo homem de confiança é o pai da namorada, que, entretanto, se suicida ao saber que o príncipe matou o seu pai para se vingar do tio que tinha matado o pai do seu namorado e dormia com a mãe. O príncipe mata o tio que dorme com a mãe, depois de falar com uma caveira e morre assassinado pelo irmão da namorada, a mesma que era doida e que tinha se suicidado.
Fim

7) Sófocles: Édipo-Rei - tragédia grega. Várias edições.
Resumo:
Maluco tira uma onda, não ouve o que um ceguinho lhe diz e acaba matando o pai, comendo a mãe e furando os olhos. Por conta disso, séculos depois, surge a psicanálise que, enquanto mostra que você vai pelo mesmo caminho, lhe arranca os olhos da cara em cada consulta.
Fim.

8) William Shakespeare: Othelo.
Resumo:
Um rei otário, tremendo zé-ruela, tem um amigo muito fdp que só pensa em fazê-lo de bobo. O tal "amigo" não ganha um cargo no governo e resolve se vingar do rei, convencendo-o de que a rainha está dando pra outro.
O zé-mané acredita e mata a rainha. Depois descobre que não era corno, mas apenas muito burro por ter acreditado no traíra. Prende o cara e fica chorando sozinho.
Fim.

Você economizou a leitura de pelo menos 7.000 páginas e R$800,00 em livros!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O mundo em mim

nas minhas cartas de solitude, onde o tempo se derrete em lembranças liquidas, quando o mundo se torna abstrato, e cada nota da grande sinfonia universal passa a soar dentro de mim até sair na forma de uma lágrima...
nesta hora em que sou o tudo e o nada, no limite onde morre o pensamento, e que flutuo na substância etérea da realidade além dos olhos, eu existo em cada nascer e em cada por do sol, em cada pequeno momento perdido de flor que se abre e desabrocha, todo sorriso, toda ferida aberta, estou no milagre da vida e no milagre da morte, sou mais do que os sonhos mais intensos, o explodir das estrelas supernovas, sou a faca que acaricia, a contradição do existir e o paradoxo do mundo.
entre meus dedos rangem as máquinas do futuro, a energia do átomo me atravessa os nervos, as florestas que caem e os desertos que crescem estão em minha pele. sinto em mim todas as pessoas e todas as emoções , o deleite, a glória, o amor, o horror, o ódio, a virgem que deseja, o assassino que se arrepende, todo aquele que espera e sente saudade, soldados, politicos, prostitutas, pais, enfermeiros, motoristas, namorados e desaparecidosem mim vivem todos, em uma existência na alma que rasga a superfície.
todo significado se perde no puro existir, e a substância me afoga em ondas colossais a quebrar no rochedo. no turbilhão da tempestade, um prelúdio, uma marcha, o universo contido nas notas que seguem piano e depois forte, um equilibrio e desequilibrio constante na dança da existência. e tudo flui através de mim em um deslizamento apocalíptido epifânico sobre o segredo revelado de tudo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Vazio

que ela não me quer eu já sei,
que a vida é incerta eu já sei,
que o universo não tem fim
eu já sei
só não sei mais como fazer poesia disso
do cotidiano antes mitológico
dos trejeitos da amada idealizada
da mesquinha angústia de viver
tudo isso tão moroso e devagar
é o cansaço do dia a dia?
é a vida que cai na monotonia?
não, não há mais vida
calou-se a música
acabou-se a festa
e a lua voltou a ser só satélite
e a rosa voltou a ser só flor

e das perguntas da vida
uma ainda resta à filosofia
que será de um poeta sem poesia?


(estou passando por uma pequena crise criativa, por sorte já tinha alguma coisa guardada, por isso ñ estranhem se eu ñ postar muito. ñ que isso vá fazer alguma diferença com apenas 2 seguidores...porém...)

Vida no interior

.
Plec-Ploc, Plec-Ploc
faz a ferradura sobre os paralelepípedos
Plec-Ploc, Plec-Ploc
e junto a batida do meu coração...
o movimento (parado)
de um mundo que se perdeu no tempo
e ficou assim sem passar
sem tais coisas como o "progresso"
uma extenção do tempo
uma hipérbole de tempo
onde o que é, não só foi
como continuará a ser no futuro
e a laranjeira depois do muro
com o mesmo fruto doce
que foi para o filho, o pai e o avô
aqui ainda se diz "Sim-sinhô!"
e acorda-se cedo pois:
"Deus ajuda quem cedo madruga!"
fala-se em Deus com a siceridade de quem sente
e vai-se domingo à missa
mesmo havendo pirraça
e a molecada corre depois
para tirar as roupas de domingo
e voltar para sua comunhão
pelos frutos, pelas pipas, pelos peões
pela eterna brincadeira de quem ainda não descobriu
que a vida é dura
e ela dura eternamente nesse tempo
que por não passar
conserva tudo que há de feliz
tudo que há de difícil, tudo que há de beato
nesta vida
Porta, Portão, Portêra
tudo no seu lugar
até a pronúncia dos 'erres'
e o murmurar quase engolindo
as palavras é o mesmo
desde sempre e sempre será
a pinga debaixo da pia
a água da talha
a árvore no terreiro
o tutu com couve
a mesma gente
nas mesmas cenas
em tantos lugares
a mesma vida
que passa sem passar
nesse tempo sem tempo
perdido em algum lugar.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Velhos tempos

Numa tarde nublada dois velhinhos se encontram em um banco afastado do de uma praça no centro, um chega primeiro e fica fumando um cigarro de palha enquanto espera o outro, que chega minutos depois dirigindo uma Brasília aos pedaços. Os dois se cumprimentam com uma antiga intimidade e começam a conversar.
-Ô Dito, ainda não conseguiu largar desse cigarro de palha?!
-Poxa Teixeira, cê sabe que faz trinta e cinco anos de casado que a minha mulher fala disso na minha cabeça e até hoje eu não deixei de fumar uma semana sequer! Uma semana!
-Pior que se eu fizesse isso eu já tinha ido ó, faz tempo! Com esses pulmões que eu tenho, qualquer pneumonia eu me acabo, imagina se eu fumasse?
Os dois se entreolharam rapidamente.
-Sabe que uma irmã minha morreu de câncer no pulmão?
-Não- Disse o outro jogando fora a ponta do cigarro
-Pior que ela nunca fumou, foi dar no fim da vida dela, tava muito fraca coitada, não agüentou.
-O chato é que com essa idade a gente vai se acostumando a enterrar as pessoas.
-Verdade.
-Esses dias mesmo eu recebi noticia de um amigo meu, antigo, da época do bar do Joça. Teve complicação com o diabetes. O pior é que ele era um mulato forte, carregava saco na feira que dava para dois carregar, nunca vi ele doente, até que o diabetes complicou.
-È meu amigo...- Deu uma pausa- quem nunca morreu ta morrendo, daqui a pouco é a nossa vez.
E a conversa continuava enquanto o sol aparecia detrás das nuvens. No outro canto da praça um grupo de cães de rua rodeava uma lata de lixo com algum resto de comida, o clima era agradável e batia uma leve brisa refrescante.
-E aquela Brasília velha? Quando você vai dar fim nela?
-Vixe! Essa daí só vai embora quando eu for! Você não sabe o galho que ela me quebra.
-Sei.
-Com esse joelho que eu tenho não agüento mais andar mais um quilometro a pé. Sabe que outro dia eu fui buscar um pão na esquina e demorou meia hora pra eu voltar, tive que sentar e esperar a dor passar. Não dá em outra, quando resolve doer é esperar.
-Esses problemas da idade são complicados. O que me incomoda mesmo é aquela azia que me bate do nada quando eu estou comendo, já fui em tudo quanto é médico e nenhum sabe dizer o que é, ninguém sabe explicar, só ficam pedindo exame atrás de exame e não acham nada. Só falam pra cortar tudo que é bom da alimentação.
-Esse é o problema dos médicos, acham que sabem de tudo, e não sabem nada. Eu troquei de remédio várias e várias vezes pra ver se resolvia uma queimação que eu tava tendo, e nada. Até que um dia tomei um chá que me recomendaram, foi tiro e queda, nunca mais tive problema com isso.
-Ah! Sei qual chá que é. A minha velha tava com o mesmo problema, passaram essa chá pra ela, e ela nunca mais reclamou.
-E a sua velha com é que está?
-Ainda de cama coitada, aquela mesma dor no ciático.
-É... O tempo vai passando.
-E a gente vai ficando velho.
-Parece que ontem mesmo eu tinha vinte e cinco, ainda me lembro da época de boemia.
-O bom é saber que a gente aproveitou. E como.
-Agora eu com o meu joelho, você com a sua azia... Não dá para negar que não somos mais os mesmos.
-É, pois é.
-Agora nos resta ficar sentados na praça conversando sobre dores e remédios.
-E não se esqueça dos velhos tempos.
-É. Dores, remédios e velhos tempos.
-Concordo.
Conversaram por cerca de mais uma hora. O que veio de Brasília tirou o velho boné de couro surrado e passou a mão na careca, o outro olhava as horas no relógio de pulso, viram que era tempo de se despedirem.
-Então, até a próxima Dito.
-Até a próxima.
-Pode deixar. Do jeito que anda tudo parado qualquer quebra na rotina que nem essa é bom. Essa vida tem me dado uma angústia!
-Chamam isso de aposentadoria...
O outro riu.
Neste momento um grito percorreu a praça.
-Pega ladrão!
Era uma mulher que havia sido roubada no semáforo. O ladrão carregando a bolsa atravessava a praça como um foguete.
-Dá para acreditar nisso?!
-Esse mundo está cada vez mais perigoso.
-Tô vendo.
Vindo na direção deles o ladrão grita:
-Sai da frente vovô!!!
O encontrão é quase certo, a imagem que se segue é a de um corpo caído no chão.
-Dá pra acreditar nisso Teixeira?
-Pois é, desmaiou.
No chão o ladrão caído com um filete de sangue escorrendo do nariz, completamente desacordado.
-Continua fazendo boxe Teixeira?
-Não, só um pouco de peso de vez em quando. E você?
-Nunca parei, qualquer dia desses vê passa lá na velha academia.
-Pode deixar – Disse acenando para a dona da bolsa – pode deixar.

Palavras

palavra falada
palavra escrita
bem feita em letra de forma, de tipografia
ou garranchada, manchada no papel
cuspida (em um momento de agonia)

pode ser breve
livre, solta e leve
ou pode ser pesada
de rancor forjada
num momento se descuida e PUF
se estoura como uma bolha
aquela palavra guardada.
há a palavra delírio
que é a mistura
das palavras prazer e dor
há a palavra humano
que designa amor, ódio, calor
há até mesmo a palavra silêncio
que se falada
quebra a sí própria

acima de tudo
há palavras
e há palavras...
palavrinhas
e palavrões
palavras recicladas
palavras cantadas
palavras mesquinhas
palavras sem fim!
.
existem tantas
que às vezes fico sem elas
e neste momento
é somente aquela
perdida palavra
lá no fundo achada
que me dá contentamento
.
quero tê-las todo tempo
quero tê-las brotando
da minha pele a suar!
quero dizê-las ao vento
quero pescá-las no ar...

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Doce ironia

Corri para meu quarto e fiquei pensando em Regina. Não podia tirá-la da cabeça, era uma imagem quase contínua por trás de meus olhos, aquela pele branca, aqueles olhos amendoados, toda aquela aura de fraqueza e doçura que emanava dela. Era acima de tudo uma santa, intocável, distante na sua pureza, cado ato seu parecia um milagre, desejava tê-la para mim, beija-la, acariciá-la, e dar vazão a esse sentimento que me dominava a carne. Era o amor surgindo como nunca havia surgido antes, era a vida brotando.

Amor que infelizmente não vingou, como descobri, a vida é dura, Regina era lésbica, ponto final.
todos tem seu dia de poeta maldito e seu dia de poeta romântico, embora a poesia ñ seja o meu forte eu tenho experimentado alguns versos ultimamente, não que sejam grande coisa, são versos brancos e não metrificados, mas escrever em versos já é um grande passo...

Destroços de mim
.
na lingua o gosto amargo
das decepções mal digeridas
todo o peso da humanidade num escarro
as pupilas dilatadas no eterno grito
de horror em face do espelho
me destroço na repulsa por minha própria carne
me dilacero a boca e a orelha numa só ferida
na procura de ar rasgo a garganta
e nesse picotado que resta de mim
as varejeiras depositam suas larvas
em cada ferida úmida a feder de pus
e me comem por dentro,
e me digerem aos poucos
sem pudor o mundo me come
e eu assisto amarrado ao chão.



DESEJO

queria te encontrar nessas linhas
queria que você habitasse
um universo assim, ao alcance
da minha mão
queria ouvir você suspirar
queria ouvir você cantar
queria essa sua voz
a sussurar no meu ouvido
palavras indizíveis.
queria você junto
grudada à minha carne
sua pele suada
de encontro à minha
seu cheiro a embriagar
meus sentidos...
Queria perder os sentidos!
queria você inteira
queria você nua
queria você minha
só minha.
queria você.

(piegas ñ? hahahaha)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Uma noite comum

(escrevi faz uns dois ou três anos, mas continua bom)

Uma noite comum.


Era uma noite de verão em 1963, havia uma leve brisa noturna, e o céu estava límpido como em poucas noites do ano. Em uma rua escura como aquela o vislumbre do céu era mais proveitoso do que no centro de Dallas, onde nesse momento todos se amontoavam próximos a uma TV ou a um rádio para ouvir mais sobre a manchete do dia.

Olhou bem para o céu e suspirou, agora merecia um bom descanso depois de um dia daquele, mas antes precisava se encontrar com uma pessoa. Acendeu mais um cigarro e olhou para o ponto de ônibus onde uma mulher ralhava com o garoto que parecia ser seu filho, se lembrou de sua mulher, agora grávida no oitavo mês. Como todo pai de primeira viagem sempre se pegava refletindo como seria sua vida dali para frente; porém, com esse último serviço garantira uma boa poupança para o futuro do filho.

Era um homem acima de quaisquer suspeitas, com trabalho, casa e carro, sempre bem vestido e muito educado, ia todo domingo à igreja e sempre que podia levava sua mulher ao cinema.

Entrou no estabelecimento e sentiu o cheiro d café que lhe lembrava a casa de sua mãe. Retirou o pacote com o balconista na maior naturalidade e o guardou no bolso interno do paletó. Todos estavam voltados para a TV. Em algum instante um homem grisalho pediu por fósforos, ele mentiu que não tinha quando o homem irrompeu:

-Você acredita nisso que aconteceu com Kennedy hoje?
Para ele a pergunta não poderia ter mais tom de ironia, lembrou-se de quando estava oculto a 20 metros do presidente naquele mesmo dia , e do pacote de dinheiro no seu bolso.

Aos Que Vivem O Bom Combate

-apesar de fugir da linha que eu normalmente escrevo,
é um dos meus favoritos. um poema de inspiração
nitzscheana (quem sabe vai entender), pode parecer
pretencioso da minha parte escrever algo assim,
mas o resultado realmente me encantou...
-se você não gosta de versos não leia.


Aos que vivem o bom combate


continuará a cair sobre os joelhos
por toda a eternidade...
até o limite do cansaço
até o limite da dor
e tua única saída será a morte.
talvez com sua chegada você finalmente descanse
pois a dor da caminhada nunca te abandonará
até teu último sono.

talvez fosse maior ventura se ficasse em seu lar
dormisse tranquilo e sonhasse sonhos bons
pois a felicidade é coisa rara
para aqueles que vão à luta...
mas nascestes com uma visão para a glória
para as coisas grandes
por isso estás condenado a perecer em batalha
para quê buscar novos continentes?
para quê lançar-se ao mar cheio de monstros?
Príncepes
Reis
Heróis
todos caem,
sofrem anos e anos com uma vazio
que nenhuma vitória parece sanar
que nenhum prazer consegue aliviar
sorrindo perante as multidões
por fora fortes
por dentro fracos
todos humanos...

e você é somente um deles
caminhando para a derrota
por querer demais
deveria dar as costas e partir
terias mais chances de ser feliz
mas você insiste em se levantar.

por acaso não reconhece que está caído?

você que foi assolado pela solidão
que foi taxado de louco
que foi incompreendido
até por aqueles que amava
você nunca teve um momento de calmaria,
quando o mundo se pacificava,
seu coração se inquietava
lhe sendo o descanso perda de tempo
amaldiçoado com o não contentar-se
amaldiçoado com o querer demais...
deveria ter mantido a filosofia dos vermes
de que querer é pecado
e o que importa é a alegria falsa da ignorância
pois esses sim não sofrem: os vermes
milenares decompositores
a rastejar no putrefato
pequenos demais para ambicionar algo maior
se contentam com os excrementos da realidade
se enganam de que o universo acaba em seus buracos
e por isso não sofrem.
enquanto você com sua ambição
ousou sair para enfrentar o mundo
e ignorante
não soube que estava a sacrificar a felicidade
...
acabou por trocar tudo o que antes era certo,
verdadeiro e bom,
em nome do desejo
e desejar é perigoso.

deveria ter continuado a acreditar nas mentiras
pois ao contrário da realidade elas não doem.
deveria ter parado na porta
e nunca ter ambicionado qualquer coisa
além da miséria reconfortante
ter fingido que o mundo acabava onde lhe convinha
e ter dormido tranquilo.
mas você negou a felicidade dos vermes
e agora terá de se contentar
com a melancolia dos heróis

o mundo é duro com aqueles que o desafiam
e leviano com aqueles que obedecem
não há como vencer
não há.
mas mesmo assim você se entrega
mas mesmo assim você dá cada passo
como se o primeiro fosse

apesar de sozinho
apesar de incompreendido
sem ajuda, sem amigos
somente com a força da vontade
com os olhos fatigados
sem mais diferenciar
a verdade de miragens
apesar dos delírios
que assolam sua mente
apesar de sua paranóia
você não desiste!
você não desiste
e ainda por cima sorri!

que felicidade é esta?
que não é calma nem pacífica
mas forte e explosiva
como uma gargalhada?

saiba que não será fácil nunca
que verá o que realmente é o sofrimento e a fadiga
terá de mover o mundo para descansar
com as mão ardendo em sangue
não poderá largar a espada
e por que você é um guerreiro
terá de lutar a eterna batalha
pois fora das tocas quentes
o mundo é frio.
e te cabe criar amor, ódio, calor
te cabe ser fogo para superar o frio
e para isso não bastará ser mera centelha
não bastará ser simples fagulha
te caberá ser explosão!
pois só assim se move as montanhas.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Morte em um parágrafo


Não há chance. A cada lance da escada a dor no peito aumenta. O esforço hercúleo parece ao contrário do que poderia se imaginar, muito menos heróico e muito mais humilhante à medida que os instantes passam. Sua face adquire uma expressão de dor lasciva, seus olhos que saltam as órbitas buscam qualquer coisa no vazio, uma última esperança, uma salvação milagrosa, mas nada surge. Seu peito inflama em uma dor tão forte que seus joelhos fraquejam e batem no chão, junto vem seu corpo mais pesado do que nunca, e um baque marca a queda inevitável. Cai de barriga para baixo, rosto espremido contra o carpete sujo, a respiração ofegante lhe traz como derradeira lembrança o cheiro forte do mofo. Nos seus olhos o desespero da luta pela vida, as pupilas de um animal acuado. Já não há mais esperança quando seus músculos se retesam num último impulso nervoso. Diante de seus olhos não passa nenhum filme de lembranças, somente a visão de uma sombra que lhe toma a vista pelos cantos, até restar um último ponto de luz que se esvai. Está morto agora e sua carcaça resvala sem vida ao chão.
Logo após surge atrás dele o socorro tardio, alguém que passava por ali tropeçou em algo no corredor escuro e notou que se tratava de um homem, ou melhor, de um corpo. O laudo da autópsia indicava infarto.
Fragmento do dia a dia


Alberto se levanta às 6:30 da manhã, escova os dentes e parte para o trabalho. Encara o trânsito com uma tranqüilidade forçada enquanto tenta não pensar nos problemas que enfrentará durante o dia. Chega com uma cara de sono e as olheiras de uma noite mal dormida, toma o café na cozinha e parte para sua mesa onde o computador lhe espera.
Digita durante duas horas um relatório urgente ,como de costume, e regozija-se por tê-lo terminado em tão pouco tempo. Dá uma pausa para um café e ouve na cozinha mais uma piada machista sobre a secretária do chefe, ele não gosta, mas ri. Volta a sentar-se na cadeira giratória (se pega encarando a secretária, imagina se ela e o patrão teriam se encontrado na noite anterior).
-Hora do almoço, você já vem?
As horas se arrastavam até então. Pega o elevador e desce até o restaurante da esquina onde costuma almoçar, volta com um leve sorriso de satisfação e sobe de volta para o escritório. Encontra uma pilha de papéis cheios de problemas novos em cima da mesa, leva a mão ao rosto e se submete sem reclamar.
Passa horas concentrado; 5:30 em ponto termina de último minuto o serviço e o entrega. Pega o carro e vai embora enfrentando novamente o trânsito sem se importar. Quando chega a casa já está escuro, abre a porta, joga o paletó no sofá e liga a TV, toma um banho, liga o microondas e janta qualquer coisa. Vê uma mensagem na secretária eletrônica, é sua mãe perguntando se ele vem para o sábado, ele liga respondendo que sim. Não encontra nada na TV, resolve ir dormir mais cedo. Deita na cama e ouve o barulho dos vizinhos de cima, a mulher de lá parece usar tamancos pelo barulho. Olha para o lado e vê o leito vazio, abraça uma sombra invisível e tenta dormir.
Acorda no outro dia com a cara de mais uma noite mal dormida. Escova os dentes e pensa na azia que sente quando come muito cedo, pega as chaves e parte para o serviço.
Chega um pouco atrasado e vai para o escritório passando direto pela cozinha sem comer nada. Descobre que o relatório fora feito com os dados errados, passa a manhã tentando corrigi-lo. Chega o meio-dia e sua barriga ronca o jejum, desce para almoçar e come mais que o de costume, na volta se sente pesado. Termina o relatório e experimenta um tempo de tédio absoluto, resolve mais algumas coisas e se prepara para ir embora.
-Você precisa dar um jeito nessas olheiras Alberto...
Pega o carro e sai logo, no caminho se distrai com os inúmeros outdoors, um mais colorido que o outro. Já é de noite. Abre a porta do apartamento vazio, tira o casaco e toma um banho, não tem mensagens na secretária eletrônica. A mulher de tamancos continua com seu ‘plec-plec’ de costume, a TV também não tem nada de interessante.
Para tudo e fica fitando a tela preta do televisor desligado. O abajur emite uma luz fraca enchendo todo o cômodo de sombras, no reflexo da tela ele vê todo o seu mundo refletido em tons de cinza em uma figura estática. Tudo igual, tudo no mesmo lugar de antes, nada mudou desde a última vez que ele sentara ali.
Olha dentre as figuras uma janela semi-aberta deixando uma brisa passar. Dirige-se até ela e deixa-se sentir a brisa por alguns minutos, olha para baixo e vê as pessoas que parecem pontinhos de um lado para o outro, as luzes dos carros vem e vai num frenesi constante.
Sente vontade de pular.
Pensa como seria fácil se jogar daquele apartamento e se acabar no chão daquela rua. Não sentiria nada, somente a queda rápida e pronto. Coloca uma perna na mesa ao lado e depois a outra na janela, com a cabeça para fora sente o vento forte nos cabelos. Pensa:
-É tão fácil, tão fácil...
Mas não pula. Desliga as luzes e se dirige para seu quarto onde observa o leito vazio. Deita sem pensar em nada. Não chora, não grita, não reclama. E repete para si mesmo:
-Não é nada.

A menina e a borboleta

-Bianca! Pára já com isso!
O berro se fez ouvir por toda a praça, alguns rostos se voltaram para ver o que se passava. Era uma mãe, morena, alta, por volta dos seus quarenta anos que gritava com sua filha de uns três aninhos, uma princesinha de cabelos castanhos e olhos azuis. A filha olhou para a mãe com os olhos tristes e baixou a cabeça.
A cena aconteceu em uma tarde de sábado no banco de uma praça, onde a mãe estava sentada conversando com uma amiga. A garotinha visivelmente entediada procurava chamar a mãe que fingia não ouvir.
-Bianca! Deixa a mamãe conversar!
Depois de mais esse berro a criança desistiu e ficou sentada balançando as pernas. Era mais uma dessas mães estúpidas que resolvem tudo no grito como se a criança tivesse um problema de audição ou coisa parecida. Sentado alguns metros à frente delas eu observava a cena. A menina parecia comportada, ficou sentada quietinha por alguns minutos, quando viu uma borboleta no chão e sua curiosidade de criança falou mais alto. Desceu do banco e ficou agachada olhando o inseto, que mexia as asas num movimento suave.
Pareciam conversar, se examinando em perfeita sintonia aquela garotinha e a borboleta. A borboleta tinha as cores amarelo e vermelho, as mesmas do vestido da menina. Talvez a borboleta nascesse, voasse durante semanas e depois morresse sem que ninguém tivesse parado para admirá-la, se não fosse pela garotinha. Ninguém dá mais atenção a uma borboleta, são achados raros na correria do dia-a-dia, pequenas demais para se fazerem notar em meio ao concreto das cidades.
A garotinha olhava com a cabeça ligeiramente inclinada para o lado, com uma expressão de interesse descompromissado. A cena era simples e bela. Com muita calma tentou tocar o inseto, aproximou a mão e a afastou como se levasse um choque ao tocá-lo, olhou para ver se a mãe havia visto, mas esta continuava conversando. Ficou fitando a borboleta por mais alguns instantes e tentou tocá-la de novo. Quando estava a alguns centímetros a mãe interrompeu.
-Pára de mexer com essas porcaria e vamos em vamos embora Bianca! –Gritou
De pronto a menina obedeceu e pegou na mão da mãe que já saía andando, esta botou a filha no colo e seguiu seu rumo. Por um instante a menina olhou para mim e depois para a borboleta, vi em seus olhos a ligeira angústia infantil ao ser separada da amiga, e pensei como o mundo seria melhor, ou pelo menos mais belo, se fôssemos todos tão inocentes como as crianças.

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