sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Velhos tempos

Numa tarde nublada dois velhinhos se encontram em um banco afastado do de uma praça no centro, um chega primeiro e fica fumando um cigarro de palha enquanto espera o outro, que chega minutos depois dirigindo uma Brasília aos pedaços. Os dois se cumprimentam com uma antiga intimidade e começam a conversar.
-Ô Dito, ainda não conseguiu largar desse cigarro de palha?!
-Poxa Teixeira, cê sabe que faz trinta e cinco anos de casado que a minha mulher fala disso na minha cabeça e até hoje eu não deixei de fumar uma semana sequer! Uma semana!
-Pior que se eu fizesse isso eu já tinha ido ó, faz tempo! Com esses pulmões que eu tenho, qualquer pneumonia eu me acabo, imagina se eu fumasse?
Os dois se entreolharam rapidamente.
-Sabe que uma irmã minha morreu de câncer no pulmão?
-Não- Disse o outro jogando fora a ponta do cigarro
-Pior que ela nunca fumou, foi dar no fim da vida dela, tava muito fraca coitada, não agüentou.
-O chato é que com essa idade a gente vai se acostumando a enterrar as pessoas.
-Verdade.
-Esses dias mesmo eu recebi noticia de um amigo meu, antigo, da época do bar do Joça. Teve complicação com o diabetes. O pior é que ele era um mulato forte, carregava saco na feira que dava para dois carregar, nunca vi ele doente, até que o diabetes complicou.
-È meu amigo...- Deu uma pausa- quem nunca morreu ta morrendo, daqui a pouco é a nossa vez.
E a conversa continuava enquanto o sol aparecia detrás das nuvens. No outro canto da praça um grupo de cães de rua rodeava uma lata de lixo com algum resto de comida, o clima era agradável e batia uma leve brisa refrescante.
-E aquela Brasília velha? Quando você vai dar fim nela?
-Vixe! Essa daí só vai embora quando eu for! Você não sabe o galho que ela me quebra.
-Sei.
-Com esse joelho que eu tenho não agüento mais andar mais um quilometro a pé. Sabe que outro dia eu fui buscar um pão na esquina e demorou meia hora pra eu voltar, tive que sentar e esperar a dor passar. Não dá em outra, quando resolve doer é esperar.
-Esses problemas da idade são complicados. O que me incomoda mesmo é aquela azia que me bate do nada quando eu estou comendo, já fui em tudo quanto é médico e nenhum sabe dizer o que é, ninguém sabe explicar, só ficam pedindo exame atrás de exame e não acham nada. Só falam pra cortar tudo que é bom da alimentação.
-Esse é o problema dos médicos, acham que sabem de tudo, e não sabem nada. Eu troquei de remédio várias e várias vezes pra ver se resolvia uma queimação que eu tava tendo, e nada. Até que um dia tomei um chá que me recomendaram, foi tiro e queda, nunca mais tive problema com isso.
-Ah! Sei qual chá que é. A minha velha tava com o mesmo problema, passaram essa chá pra ela, e ela nunca mais reclamou.
-E a sua velha com é que está?
-Ainda de cama coitada, aquela mesma dor no ciático.
-É... O tempo vai passando.
-E a gente vai ficando velho.
-Parece que ontem mesmo eu tinha vinte e cinco, ainda me lembro da época de boemia.
-O bom é saber que a gente aproveitou. E como.
-Agora eu com o meu joelho, você com a sua azia... Não dá para negar que não somos mais os mesmos.
-É, pois é.
-Agora nos resta ficar sentados na praça conversando sobre dores e remédios.
-E não se esqueça dos velhos tempos.
-É. Dores, remédios e velhos tempos.
-Concordo.
Conversaram por cerca de mais uma hora. O que veio de Brasília tirou o velho boné de couro surrado e passou a mão na careca, o outro olhava as horas no relógio de pulso, viram que era tempo de se despedirem.
-Então, até a próxima Dito.
-Até a próxima.
-Pode deixar. Do jeito que anda tudo parado qualquer quebra na rotina que nem essa é bom. Essa vida tem me dado uma angústia!
-Chamam isso de aposentadoria...
O outro riu.
Neste momento um grito percorreu a praça.
-Pega ladrão!
Era uma mulher que havia sido roubada no semáforo. O ladrão carregando a bolsa atravessava a praça como um foguete.
-Dá para acreditar nisso?!
-Esse mundo está cada vez mais perigoso.
-Tô vendo.
Vindo na direção deles o ladrão grita:
-Sai da frente vovô!!!
O encontrão é quase certo, a imagem que se segue é a de um corpo caído no chão.
-Dá pra acreditar nisso Teixeira?
-Pois é, desmaiou.
No chão o ladrão caído com um filete de sangue escorrendo do nariz, completamente desacordado.
-Continua fazendo boxe Teixeira?
-Não, só um pouco de peso de vez em quando. E você?
-Nunca parei, qualquer dia desses vê passa lá na velha academia.
-Pode deixar – Disse acenando para a dona da bolsa – pode deixar.

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