sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Atenção!

Para quem não notar este é um blog antigo
(mantenho para conservar o arquivo)
E se quiserem uma dica: http://eletronicopapel.blogspot.com.br/
Meu novo blog Papel Eletrônico, e a fanpage:

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Levanta-se no ar o cheiro de grama cortada, e aquele frescor matinal comum às varandas de casas humildes, umedecidas pelo orvalho, as plantas do canteiro sorriem para o sol nascente. na escada de ladrilhos quebrados, tão antiga quanto os ancestrais, espano a terra para sentar-me e ouço o som dos pássaros despertando. sem paixões, a tranquilidade de nada querer do futuro nem indagar do passado. contemplo de olhos fechados sentindo o toque da manhã na minha nuca, apoiando a minha cabeça e me acalentando recém-acordado na continuação de um sonho. no céu duas parcas nuvens enfeitam a imensidão azul como um broche, ao horizonte impoem-se as corcundas dos morros, pontilhadas de detalhes para os pintores; com cercas, casebres, estradas poeirentas rangendo carros de boi, levando sementes, colheitas, esperanças quem sabe.

Meu amor me beija a testa, me chama para ir deitar, senta-se ao meu lado inocentemente como se não notasse sua própria beleza, eu a abraço. esqueço as certezas, as derrotas, esqueço o mundo, apenas sorrio.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

R356

Doeu-me, mas caiu a ficha, eu era um número; senhor R356, e isso era tudo o que importava. A culpa desta crise de identidade era a máquina de senhas da fila do banco, a partir daquele momento eu não tinha nome nem passado, eu era a pura abstração do vago termo “cliente”. Às vezes fantasio sobre a origem destas máquinas; um belo dia teóricos burocratas se reúnem para mais uma decisão maligna: “precisamos reduzir as pessoas a termos mais eficientes”, diz um, “que tal se as transformarmos em números?” responde o outro, e a platéia aplaude.

O cúmulo da indignidade, um número!

Um sino toca, o senhor P107 é chamado ao guichê. Maldita preferência para aposentados. O número está no R320, contando com uma estimativa de um aposentado para cada dez senhas, tenho cerca de 38 pessoas, digo, senhas à minha frente. Melhor é não tentar estimar a demora, se você estimar duas horas, demorarão quatro; o problema é a incerteza de quantas senhas especiais, senhas de aposentados e desistências você pode contar à sua frente, talvez as variáveis mais inconstantes do universo.

Bons tempos eram os tempos da fila. As pessoas sabiam exatamente quantos estavam à sua frente, qual era o ritmo da fila etc. e todos tinham que ficar de pé, não esta frescura sedentária de cadeirinhas azuis. Não! As pessoas tinham mais vigor e saúde antigamente. E quem era bom como ninguém para uma fila eram os soviéticos, esses chegaram a fazer filas gloriosas! Filas para mantimentos que davam a volta no quarteirão sob o frio inverno de Moscou. Por isso são um povo forte os russos, diferentemente desses obesos sedentários capitalistas e suas cadeirinhas azuis.

Mais uma vez o sino, e outra, e outra. Do meu lado o infeliz senhos R371 a quase trinta números da sua vez. Meus pêsames amigo, tempos desumanos esses. Na minha mão o papelzinho amarelo impresso a lazer, não ousei coloca-lo no bolso, afinal, essa senha era eu, tudo o que eu representava para o sistema, desumanamente concebido em série e fadado a acabar na lixeirinha do guichê. Uma morena se levanta na minha frente, simplesmente linda, um corpo escultural e uma expressão de “não me toque”. Me apaixono à primeira vista. Chega no caixa, entrega a senha, e tira da bolsa um enorme maço de contas a serem pagas; desiludindo naquele instante todo o meu amor. Por que tantas contas de uma vez só mulher?! Só para atrasar os outros! Ocupar por meia-hora um dos poucos guichês que tem?! Por que tanto cinismo com os sentimentos dos outros?!?!

Ufa; Desculpem-me... A frieza da espera está acabando comigo.

O tempo passa e finalmente minha vez parece próxima, três desistentes fazem o número da tela pular milagrosamente para o R353. pode ir meu caro senhor aposentado! Agora nada prolongará a minha espera. Sinto a alma leve quando a tela sinaliza R354 e depois R355, venci o sistema, provei minha paciência, sou um Buda, alcancei a iluminação atravez da espera, são pequenas coisas meu caro amigo R371, sua vez também chegará.

-Boa tarde.

-Boa tarde, Poderia descontar este cheque para mim?

-Claro, Por favor seu RG.

Agora já me dava o luxo de pensar o que fazer depois de sair do banco. Aproveitar um pouco do dinheiro para almoçar, fazer aquele pagamento atrasado. Sem um tostão no bolso fui salvo por este cheque, já podia relaxar, o dia estava lindo lá fora, logo chegaria o final de semana...

-Não tem fundos.

-Me desculpe, como?

-O cheque não tem fundos senhor.

Indignado, faminto, cansado... Fui embora.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sei que a vida moderna não deixa tempo para a leitura de bons livros. Assim, envio-lhes o "resumo de clássicos da literatura" que muito ajudarão a engrandecê-los culturalmente.

1) Leon Tolstoi: Guerra e Paz. Paris, Ed. Chartreuse. 1.200 páginas.
Resumo:
Um rapaz não quer ir à guerra por estar apaixonado e por isso Napoleão invade Moscou. A mocinha casa-se com outro.
Fim.

2) Marcel Proust: À La recherche du temps perdu. (Em Busca do Tempo Perdido). Paris, Gallimard. 1922. 1600 páginas.
Resumo:
Um rapaz asmático sofre de insônia porque a mãe não lhe dá um beijinho de boa-noite. No dia seguinte (pág. 486, vol. I), come um bolo e escreve um livro. Nessa noite (pág. 1.344, vol. VI) tem um ataque de asma porque a namorada (ou namorado?) se recusa a dar-lhe uns beijinhos. Tudo termina num baile (vol. VII) onde estão todos muito velhinhos ? e pronto.
Fim.

3) Luís de Camões: Os Lusíadas. Editora Lusitania.
Resumo:
Um poeta com insônia decide encher o saco do rei e contar-lhe uma história de marinheiros que, depois de alguns problemas (logo resolvidos por uma deusa super-gente-fina), ganham a maior boa vida numa ilha cheia de mulheres gostosas.
Fim.

4) Gustave Flaubert: Madame Bovary. 778 páginas.
Resumo:
Uma dona-de-casa mete o chifre no marido e transa com o padeiro, o leiteiro, o carteiro, o homem do boteco, o dono da mercearia e um vizinho cheio da grana. Depois entra em depressão, envenena-se e morre.
Fim.

5) William Shakespeare: Romeo and Juliet. Londres, Oxford
Resumo:
Dois adolescentes doidinhos se apaixonam, mas as famílias proíbem o namoro, as duas turmas saem na porrada, uma briga danada, muita gente se machuca. Então, um padre tem uma idéia idiota e os dois morrem depois de beber veneno, pensando que era sonífero.
Fim

6) William Shakespeare: Hamlet. Londres, Oxford Press.
Resumo:
Um príncipe com insônia passeia pelas muralhas do castelo, quando o fantasma do pai lhe diz que foi morto pelo tio que dorme com a mãe, cujo homem de confiança é o pai da namorada, que, entretanto, se suicida ao saber que o príncipe matou o seu pai para se vingar do tio que tinha matado o pai do seu namorado e dormia com a mãe. O príncipe mata o tio que dorme com a mãe, depois de falar com uma caveira e morre assassinado pelo irmão da namorada, a mesma que era doida e que tinha se suicidado.
Fim

7) Sófocles: Édipo-Rei - tragédia grega. Várias edições.
Resumo:
Maluco tira uma onda, não ouve o que um ceguinho lhe diz e acaba matando o pai, comendo a mãe e furando os olhos. Por conta disso, séculos depois, surge a psicanálise que, enquanto mostra que você vai pelo mesmo caminho, lhe arranca os olhos da cara em cada consulta.
Fim.

8) William Shakespeare: Othelo.
Resumo:
Um rei otário, tremendo zé-ruela, tem um amigo muito fdp que só pensa em fazê-lo de bobo. O tal "amigo" não ganha um cargo no governo e resolve se vingar do rei, convencendo-o de que a rainha está dando pra outro.
O zé-mané acredita e mata a rainha. Depois descobre que não era corno, mas apenas muito burro por ter acreditado no traíra. Prende o cara e fica chorando sozinho.
Fim.

Você economizou a leitura de pelo menos 7.000 páginas e R$800,00 em livros!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O mundo em mim

nas minhas cartas de solitude, onde o tempo se derrete em lembranças liquidas, quando o mundo se torna abstrato, e cada nota da grande sinfonia universal passa a soar dentro de mim até sair na forma de uma lágrima...
nesta hora em que sou o tudo e o nada, no limite onde morre o pensamento, e que flutuo na substância etérea da realidade além dos olhos, eu existo em cada nascer e em cada por do sol, em cada pequeno momento perdido de flor que se abre e desabrocha, todo sorriso, toda ferida aberta, estou no milagre da vida e no milagre da morte, sou mais do que os sonhos mais intensos, o explodir das estrelas supernovas, sou a faca que acaricia, a contradição do existir e o paradoxo do mundo.
entre meus dedos rangem as máquinas do futuro, a energia do átomo me atravessa os nervos, as florestas que caem e os desertos que crescem estão em minha pele. sinto em mim todas as pessoas e todas as emoções , o deleite, a glória, o amor, o horror, o ódio, a virgem que deseja, o assassino que se arrepende, todo aquele que espera e sente saudade, soldados, politicos, prostitutas, pais, enfermeiros, motoristas, namorados e desaparecidosem mim vivem todos, em uma existência na alma que rasga a superfície.
todo significado se perde no puro existir, e a substância me afoga em ondas colossais a quebrar no rochedo. no turbilhão da tempestade, um prelúdio, uma marcha, o universo contido nas notas que seguem piano e depois forte, um equilibrio e desequilibrio constante na dança da existência. e tudo flui através de mim em um deslizamento apocalíptido epifânico sobre o segredo revelado de tudo.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Vazio

que ela não me quer eu já sei,
que a vida é incerta eu já sei,
que o universo não tem fim
eu já sei
só não sei mais como fazer poesia disso
do cotidiano antes mitológico
dos trejeitos da amada idealizada
da mesquinha angústia de viver
tudo isso tão moroso e devagar
é o cansaço do dia a dia?
é a vida que cai na monotonia?
não, não há mais vida
calou-se a música
acabou-se a festa
e a lua voltou a ser só satélite
e a rosa voltou a ser só flor

e das perguntas da vida
uma ainda resta à filosofia
que será de um poeta sem poesia?


(estou passando por uma pequena crise criativa, por sorte já tinha alguma coisa guardada, por isso ñ estranhem se eu ñ postar muito. ñ que isso vá fazer alguma diferença com apenas 2 seguidores...porém...)

Vida no interior

.
Plec-Ploc, Plec-Ploc
faz a ferradura sobre os paralelepípedos
Plec-Ploc, Plec-Ploc
e junto a batida do meu coração...
o movimento (parado)
de um mundo que se perdeu no tempo
e ficou assim sem passar
sem tais coisas como o "progresso"
uma extenção do tempo
uma hipérbole de tempo
onde o que é, não só foi
como continuará a ser no futuro
e a laranjeira depois do muro
com o mesmo fruto doce
que foi para o filho, o pai e o avô
aqui ainda se diz "Sim-sinhô!"
e acorda-se cedo pois:
"Deus ajuda quem cedo madruga!"
fala-se em Deus com a siceridade de quem sente
e vai-se domingo à missa
mesmo havendo pirraça
e a molecada corre depois
para tirar as roupas de domingo
e voltar para sua comunhão
pelos frutos, pelas pipas, pelos peões
pela eterna brincadeira de quem ainda não descobriu
que a vida é dura
e ela dura eternamente nesse tempo
que por não passar
conserva tudo que há de feliz
tudo que há de difícil, tudo que há de beato
nesta vida
Porta, Portão, Portêra
tudo no seu lugar
até a pronúncia dos 'erres'
e o murmurar quase engolindo
as palavras é o mesmo
desde sempre e sempre será
a pinga debaixo da pia
a água da talha
a árvore no terreiro
o tutu com couve
a mesma gente
nas mesmas cenas
em tantos lugares
a mesma vida
que passa sem passar
nesse tempo sem tempo
perdido em algum lugar.