quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Fragmento do dia a dia


Alberto se levanta às 6:30 da manhã, escova os dentes e parte para o trabalho. Encara o trânsito com uma tranqüilidade forçada enquanto tenta não pensar nos problemas que enfrentará durante o dia. Chega com uma cara de sono e as olheiras de uma noite mal dormida, toma o café na cozinha e parte para sua mesa onde o computador lhe espera.
Digita durante duas horas um relatório urgente ,como de costume, e regozija-se por tê-lo terminado em tão pouco tempo. Dá uma pausa para um café e ouve na cozinha mais uma piada machista sobre a secretária do chefe, ele não gosta, mas ri. Volta a sentar-se na cadeira giratória (se pega encarando a secretária, imagina se ela e o patrão teriam se encontrado na noite anterior).
-Hora do almoço, você já vem?
As horas se arrastavam até então. Pega o elevador e desce até o restaurante da esquina onde costuma almoçar, volta com um leve sorriso de satisfação e sobe de volta para o escritório. Encontra uma pilha de papéis cheios de problemas novos em cima da mesa, leva a mão ao rosto e se submete sem reclamar.
Passa horas concentrado; 5:30 em ponto termina de último minuto o serviço e o entrega. Pega o carro e vai embora enfrentando novamente o trânsito sem se importar. Quando chega a casa já está escuro, abre a porta, joga o paletó no sofá e liga a TV, toma um banho, liga o microondas e janta qualquer coisa. Vê uma mensagem na secretária eletrônica, é sua mãe perguntando se ele vem para o sábado, ele liga respondendo que sim. Não encontra nada na TV, resolve ir dormir mais cedo. Deita na cama e ouve o barulho dos vizinhos de cima, a mulher de lá parece usar tamancos pelo barulho. Olha para o lado e vê o leito vazio, abraça uma sombra invisível e tenta dormir.
Acorda no outro dia com a cara de mais uma noite mal dormida. Escova os dentes e pensa na azia que sente quando come muito cedo, pega as chaves e parte para o serviço.
Chega um pouco atrasado e vai para o escritório passando direto pela cozinha sem comer nada. Descobre que o relatório fora feito com os dados errados, passa a manhã tentando corrigi-lo. Chega o meio-dia e sua barriga ronca o jejum, desce para almoçar e come mais que o de costume, na volta se sente pesado. Termina o relatório e experimenta um tempo de tédio absoluto, resolve mais algumas coisas e se prepara para ir embora.
-Você precisa dar um jeito nessas olheiras Alberto...
Pega o carro e sai logo, no caminho se distrai com os inúmeros outdoors, um mais colorido que o outro. Já é de noite. Abre a porta do apartamento vazio, tira o casaco e toma um banho, não tem mensagens na secretária eletrônica. A mulher de tamancos continua com seu ‘plec-plec’ de costume, a TV também não tem nada de interessante.
Para tudo e fica fitando a tela preta do televisor desligado. O abajur emite uma luz fraca enchendo todo o cômodo de sombras, no reflexo da tela ele vê todo o seu mundo refletido em tons de cinza em uma figura estática. Tudo igual, tudo no mesmo lugar de antes, nada mudou desde a última vez que ele sentara ali.
Olha dentre as figuras uma janela semi-aberta deixando uma brisa passar. Dirige-se até ela e deixa-se sentir a brisa por alguns minutos, olha para baixo e vê as pessoas que parecem pontinhos de um lado para o outro, as luzes dos carros vem e vai num frenesi constante.
Sente vontade de pular.
Pensa como seria fácil se jogar daquele apartamento e se acabar no chão daquela rua. Não sentiria nada, somente a queda rápida e pronto. Coloca uma perna na mesa ao lado e depois a outra na janela, com a cabeça para fora sente o vento forte nos cabelos. Pensa:
-É tão fácil, tão fácil...
Mas não pula. Desliga as luzes e se dirige para seu quarto onde observa o leito vazio. Deita sem pensar em nada. Não chora, não grita, não reclama. E repete para si mesmo:
-Não é nada.

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